Reabilitação Visual e Estimulação Visual – Por que tanta confusão?
Encontre aqui as principais diferenças entre reabilitação visual, estimulação visual e todas as outras terapias visuais que possam ter surgido.
Contexto Histórico
Numa análise mais profunda de tudo que busco saber, ou conhecer, acredito que pela minha curiosidade, ou pela minha formação em Ciências Sociais [também!], eu gosto de saber: “Como Surgiu?”.
Desde que sai da Faculdade, vi essa lacuna na minha formação, não tivemos uma única aula da História da Ortóptica, ou da Estimulação Visual Precoce, muito menos da Reabilitação Visual.
Comecei esses estudos em 2002, mas foi só quando ajudei a criar o currículo do curso de graduação em Óptica e Optometria, em 2003 que aprofundei o assunto. Eu ministraria a disciplina de História e Fundamentos de Optometria e seria o momento certo de colocar em prática tudo que havia estudado.
História da Reabilitação Visual Motora e Sensorial
Surge nos escritos de Louis Emile Javal lá por 1890, logo seguido por Worth, com foco inicial na contextualização da reabilitação motora. O que chamamos de “Primeiro Ciclo da Ortóptica”, que tem bem descrito no livro da Ortoptista Wanda Trestchel, com quem aprendi muito do tema em 2004.
Aparatos e técnicas surgem aqui, países como França, Alemanha e Inglaterra estão nesse “movimento”. Mas, é com Miss Mary Maddox, que a Ortóptica nasce oficialmente, com grande incentivo de seu pai, o oftalmologista Ernest E. Maddox.
História da Estimulação Visual
Saindo das descobertas de Javal e Worth, a Miss Maddox, envereda nas análises de estudos sensoriais, como Worth. E a partir da oficialização do primeiro departamento clínico de Ortóptica em 1928, no Royal Westminster Hospital em Londres, temos a descrição pela primeira vez de EVP – estimulação visual precoce.
Nas minhas muitas idas à Londres, fazia 2 incursões: 1 visitar livros dessa época disponíveis na Biblioteca de Londres; e outra coisa, visitar os sebos de livros do Charing Cross Road e Cecil Court. Achando tesouros que me ajudaram a entender essa história e a achar “técnicas” esquecidas e abandonadas daquela época!
Vemos forte o nascimento da Estimulação Visual, tal como sabemos que deveria ser, logo depois em 1931, no Alfred Hospital, na Austrália.
E a Barraga? Sabemos que sua base é daí caros amigos, se você pega literaturas antigas, dessa época vera as bases. Só que foi dado uma “ênfase educacional”, que a fonte original não tinha.
A Estimulação Visual
Marcos de Fundação
Sabemos ao pesquisar em qualquer país do mundo, excluindo-se a América, que a Estimulação Visual é uma técnica terapêutica que atua durante o desenvolvimento visual, atuando nas Habilidades Visuofuncionais. Ou seja, isso iria até mais ou menos 4/6 anos.
Durante o desenvolvimento visual estaríamos aptos a desenvolver essas habilidades, trabalhando numa sequência lógico-temporal, e durante um tempo preciso. Que no caso não passaria dos 6 anos.
Caso, o paciente não desenvolvesse as habilidades visuofuncionais nesse período, iríamos atrás de trabalhar nas funções visuais que estão se formando sobre bases fracas. Ou seja, até os 6 anos trabalhamos nas bases da visão [ fixação, seguimento, localização, contato visual,etc.].
Isso já descrito desde a década de 20, tem uma sequância lógica de trabalho, que devemos seguir. Não seguir a nosso bel prazer!
Como vemos hoje em dia?
Vemos instituições que fazem o uso dessa técnica de estimulação visual para tudo! E pior, em todas as idades!
Temos a limitação da idade, e lembrando que a estimulação visual, estimula as habilidades da visão durante o desenvolvimento da visão, que vai até 4/6 anos! Após isso, vamos ter que atuar nas funções visuais que não se desenvolveram, uma vez que essas habilidades não foram bem trabalhadas, ou porquê o paciente tem algo que impeça que se desenvolva [i.e., lesões cerebrais, patologias oculares]
Tanto que na Ortóptica lá trás, usávamos o PRECOCE no nome, até para alertar dos limites etários de atuação dessa técnica.
O que não poderíamos ver
Se você comenta com alguém de fora que usam a estimulação visual para “tratar” ambliopia, estrabismos e afins, me olham com olhar de piada. Sério? Uma atrocidade aos ouvidos, algo que estimula o desenvolvimento visual não pode tratar nada, temos técnicas para isso!
Ou o que mais me envergonharia dizer lá fora é que tem aqui “estimulação visual para idosos”. Não precisamos nem comentar né? Ou pior, como tenho visto recentemente, estimulação visual para reabilitação binocular.
O desconhecimento aqui no Brasil e a falta do mínimo tem feito surgir esses “franksteins” por aí. Vemos cursos de “formação” onde as pessoas se “formam” reabilitadores oculomotores + estimuladores visuais em um fim de semana.
A população, na ânsia cai nessas armadilhas e são “tratadas” por esses profissionais. Eu acredito que esse artigo traga reflexão aos mesmos, pois vou considerar desconhecimento. Saibam que há cursos de formação básica em estimulação visual na Europa com 600, 800 e até 1200 horas e só habilita a atuar na estimulação visual, ou seja, até os 6 anos de idade.
No Rhein Institute temos formações com 140 horas e 594 horas, e os alunos acham muito! Eu juro, teria muito mais a ser dito, se não fosse a concorrência, eu daria muito mais. Concorrência, sim, porquê a grande maioria de vocês profissionais nesse país estão preocupados com o papel na mão, sendo assim veem um PMEV com 140h e uma concorrência com 40h, preferem a concorrência, pois o papel será o “mesmo” – formação em estimulação visual.
Dados estatísticos comprovam, temos 2200 alunos no PMEV e na concorrência mais de 20 mil, isso mostra o quão preparados os profissionais estão querendo estar. E no novo que tem 594 horas que lancei há 1 semana, só temos até o momento menos de 20 alunos. Fico imaginando um pai que tem seu filho em estimulação visual pensando, meu terapeuta tem quantas horas de formação? Mais importante que isso? Ele se atualiza sempre? Eu mesmo investi mais de 6 dígitos em estudos na área de Física, só em 2020, para entender se podia jogar luz como jogávamos nos olhos das crianças.
A Reabilitação Visual
Marcos de Fundação
Como vimos, o surgimento da Reabilitação Visual se confunde com o nascimento da Ortóptica. E aqui o problema surge com as invenções e criatividade do brasileiro, porque temos:
– Reabilitação Visual: atua na reabilitação da visão de pacientes com baixa visão, pode ser com auxílios ópticos e não-ópticos e também pode ser através de terapia visual.
-Reabilitação Visual Motora: que tem inúmeros “apelidos” hoje em dia, mas vem da Ortóptica, reabilitação oculomotora e das disfunções binoculares, tudo depois disso são invencionices. Atua na reabilitação das disfunções oculomotoras, binoculares e paralisias oculomotoras.
-Neurorreabilitação visual: oriunda da neurovisão e da neurologia da visão. Atua nos pacientes neurológicos, nos casos que tenham alterações visuais decorrentes de alterações neurais. Por incrível que pareça, sabemos desde começo dos anos 2000, pela neuroplasticidade e neuroimagem, que a ambliopia está aqui. Os pacientes pós-AVC, pós-COVID, síndromes e toda a gama dos pacientes neurodivergentes.
Como vemos hoje em dia?
Acredito que para ser fidedigno a tudo que vi de aberração nesses últimos 25 anos, eu precisaria escrever um e-book! Vemos pprofissionais nitidamente formados em cursos de estimulação visual, atuando na seara de neurorreabilitação visual. Profissionais com bases de reabilitação visual motora se enveredando a tratar ambliopia, e nãos as ambliopias!
Nesse universo “novo” de neurorreabilitação visual confundem a neurovisão, o todo com a parte, e a grande confusão do momento reside no processamento visual. Eu mesmo já atuo no processamento visual desde 2002, e com blog, artigos e atuação documentada. Abandonei a visão tradicional, pois descobri as novas versões, baseadas na neuroplasticidade.
O que vemos é sempre o mesmo padrão sociológico cultural brasileiro, tudo que é de fora é melhor. Recentemente, aconteceu algo assim na antiga área que me dediquei anos, uma pessoa veio de fora, dando vários cursos, todo mundo: “Oh, céus, novidades!”
Eu em 2004, dei aula ao professor dessa pessoa, e as grandes novas trazidas de fora para cá ao público brasileiro, estavam descritas no meu livro de 2007! Parece cômico, se não fosse trágico, adoramos o que é de fora, mesmo que “démodé”. E vejo isso acontecer toda hora!
O que não poderíamos ver
Não poderíamos aceitar pacientes sendo prejudicados por isso! Mas, professor, como assim?
O sistema visual ele até aceita o estímulo inadequado, e se “assenta” nessa situação! Pesquisem mais sobre a prática da neuroplasticidade para entender sobre adaptação neural, estímulos multimodais e etc.
O problema é que esses profissionais bombril [polivalentes], que fazem tudo numa técnica só, aplicam e veem uma leve melhora, eliminam os sintomas, paciente feliz, todos felizes!
Mas, eles não sabem avaliar o sistema como um todo! Num paciente pós-AVC não sabem correlacionar os achados da ressonância magnética com os achados campimétricos e é pedir mais que soubessem correlacionar tudo isso com sua avaliação e a do oftalmo né?
Aí, o paciente melhora uma coisa e descompensa outra que esse profissional nem sabe avaliar! E aí o efeito dominó acontece…
Conclusão
Temos que ter muita responsabilidade sobre o olho, porque ele é cérebro! Mas, o quanto de cérebro você conhece? E não estou falando de neurofisiologia e neuroanatomia! Estou falando de conhecer a correlação desse cérebro e essa visão no dia a dia! E para isso é prática, é consultório! Eu leio há mais de 25 anos, como um ritual diário de 2 a 3 artigos científicos, ás vezes mais, quando estou a preparar uma aula. Se não fosse os mais de 30 mil pacientes que já vi na vida, toda essa teoria não teria valia. Assim também, o contrário não seria válido, ter só a prática.
Questione seus mestres, faz parte do ensino e da construção da sabedoria! Mas, exija prática, teóricos? O google, os livros está repleto, se o profissional não te trouxer aquilo que ele fala na prática não vale nada. Recentemente vi um curso de um rapaz, na área de neurovisão, claramente ele nunca atendeu 1 paciente de neurorreabilitação visual na vida, nunca pegou um acaso com problema, avaliou, montou a terapia, aplicou por meses a fio e deu alta. Trouxe exemplos de livros, casos clínicos de livros, até famosos: Oliver Sacks, Norman Doige, todos amaram, porquê?
O brasileiro não tem senso de entendimento do que precisa e quando precisa, estudamos isso na cultura brasileira desde o brasil colônia! Nos trazem um espelhinho bonito, massacram nossa aldeia e destroem nossa cultura e nós fazemos o quê? “Sim, mestre!”
O mundo é conhecimento e sabedoria para despertos!